Sendo hoje dia da poesia e também o primeiro dia de Primavera, gostaria de homenagear duas figuras incontornáveis da poesia e do fado: Pedro Homem de Mello, ilustre poeta minhoto, e a diva e rainha do fado Amália Rodrigues. A simpatia que sinto por estas duas personalidades, levou-me a ilustrar um dos poemas deste autor, imortalizado pela voz desta grande fadista, numa das paredes dos meus estabelecimentos comerciais. E qual o poema indicado para tal exposição, senão aquele que relata a saudade da nossa cidade.
Poeta vianense, natural de Afife, mais precisamente de Cabanas, durante uma grande parte da sua vida, viveu um Portugal em que reinavam a mágoa e a tristeza com a saudade dos emigrantes que partiam, o trajar de negro, pela morte ou pela ausência de um filho que partiu para uma guerra sem sentido, em terras de África. Reinava também o exílio de outros, castigados pelo seu livre pensamento.
No poema "Gondarém", Pedro Homem de Mello, cantava:
"NUMA BANDA A ESPANHA MORTA,
NOUTRA PORTUGAL SOMBRIO
ENTR' AMBOS GALOPA UM RIO
QUE NÃO PÁRA À MINHA PORTA.
E GRITO, GRITO: ACUDI-ME,
GANHEI DOR. BUSQUEI PRAZER
E SINTO QUE VOU MORRER
NA PRÓPRIA PÁTRIA DO CRIME."
(musicado por Alain Oulman, Álbum: "Cantigas Numa Língua Antiga", Amália Rodrigues)
O Poeta cantou com enlevo o amor profundo à terra e às tradições populares. Um amor puro aos rios, aos prados e às gentes. Vemo-lo, em "Havemos de ir a Viana":
"...SE O MEU SANGUE NÃO ME ENGANA,
COMO ENGANA A FANTASIA,
HAVEMOS DE IR A VIANA,
OH MEU AMOR DE ALGUM DIA...
PARTAMOS DE FLOR AO PEITO,
QUE O AMOR É COMO O VENTO
QUEM PÁRA, PERDE-LHE O JEITO,
E MORRE A TODO O MOMENTO...
CIGANOS VERDES CIGANOS,
DEIXAI-ME COM ESTA CRENÇA:
OS PECADOS TÊM VINTE ANOS,
E O REMORSO TEM OITENTA..."
(musicado por Alain Oulman, Álbum "Com que voz", Amália Rodrigues)
E ainda, fazendo uma ode à cultura popular, transbordante de amor à Terra e às Gentes, em "Canção de Viana":
"...VIREI COSTAS À GALIZA,
VOLTEI-ME ANTES PARA O MAR
SANTA MARTA, SAIAS NEGRAS,
TEM VIDRILHOS DE LUAR.
DANCEI A GOTA EM CARREÇO,
O VERDE GAIO, EM AFIFE,
DANCEI-O, DEVAGARINHO,
COMO A LEI MANDA BAILAR,
COMO A LEI MANDA BAILAR,
DANCEI EM VILA, A TIRANA,
E DANCEI EM TODO O MINHO,
E QUEM DIZ MINHO, DIZ VIANA..."
(musicado por Alain Oulman, Álbum "Cantigas Numa Língua Antiga", Amália Rodrigues)
O Povo, essa entidade tão amada pelo Poeta. A lucidez porém, da rigidez, da austeridade, um amor para além da razão. Um sentimento de pertença.
"POVO QUE LAVAS NO RIO,
QUE TALHAS COM O TEU MACHADO,
AS TÁBUAS DO MEU CAIXÃO...
AROMAS, DE URZE E DE LAMA
DORMI COM ELES NA CAMA,
TIVE A MESMA CONDIÇÃO...
POVO, POVO, EU TE PERTENÇO
DESTE-ME ALTURAS DE INCENSO
MAS A TUA VIDA, NÃO!..."
(adaptado por Amália, à musica do Fado Tradicional, conhecido por " Fado Vitória ", composto pelo antigo fadista, Joaquim Campos, Álbuns: "Abandono" / "Encontro-Amália e Don Byas", Amália Rodrigues)
A Solidão do Poeta. O retrato de alguém que, apesar da sua altíssima formação académica, dos seus convívios cosmopolitas, com gente das Artes e das Letras, mantém uma certa " ruralidade " e " isolacionismo ", perante a urbe, que amedronta e atrai. A Pureza dos versos de " Fria Claridade ", retrata-nos esse homem, só, no meio de tanta gente.
"...NO MEIO DA CLARIDADE,
DAQUELE TÃO TRISTE DIA,
GRANDE, GRANDE, ERA A CIDADE
E NINGUÉM ME CONHECIA..."
(Adaptado por Amália, a uma musica do Fado Tradicional, composto por José Marques do Amaral, Álbum " Maldição ", Amália Rodrigues)
O Medo do desterro. O Pavor de perder o Amor das Gentes. O Poeta faz uma "Prece":
"...TALVEZ QUE EU MORRA NA RUA
INVIA POR MIM, DE REPENTE
EM NOITE FRIA E SEM LUA
IRMÃ DAS PEDRAS DA RUA,
PISADAS, POR TODA A GENTE.
TALVEZ QUE EU MORRA ENTRE GRADES,
NO MEIO DUMA PRISÃO,
E QUE O MUNDO, ALÉM DAS GRADES
VENHA ESQUECER AS SAUDADES
QUE ROEM, MEU CORAÇÃO..."
Contudo, e apesar dos pesares, a Magnanimidade do Poeta, perante a sociedade que o envolve. O amor do Poeta, sem condição, rendido, prostrado aos pés do seu país. O seu último desejo. Mesmo que essa Pátria lhe tenha sido adversa. Sombria. Inferimo-lo, no mesmo poema.
"...TALVEZ QUE EU MORRA NO LEITO,
ONDE A MORTE É NATURAL
AS MÃOS EM CRUZ, SOBRE O PEITO.
DAS MÃOS DE DEUS, TUDO ACEITO,
MAS QUE EU MORRA, EM PORTUGAL !"
(musicado por Alain Oulman, ultimo Poema de Pedro Homem de Mello, gravado por Amália, em 1991, no seu derradeiro álbum de originais: "Obsessão")
Pedro Homem de Mello foi isto. É isto.
Resta-me apenas recordar que, o Poeta, ao ouvir alguém na sua terra natal cantar o "Fria Claridade", acompanhando Amália pela rádio, declarou publicamente, sentir-se feliz e honrado por a sua poesia "ter finalmente, subido ao Povo. "
A Morte, essa terrível e inefável fronteira, não me parece assim tão tenebrosa quando penso na possibilidade de me juntar a essas tertúlias mil, na Eternidade da Alma...
Apetece-me cantar:
"... Ciganos verdes, ciganos
Deixai-me com esta crença
Os pecados têm vinte anos,
e o remorso tem oitenta."
Profeticamente ou não, Amália morreria aos 79 anos. Sem chegar aos oitenta. Sem " Remorso". Creio mesmo firmemente, sem quaisquer razões para o sentir.
Deixo-vos um vídeo para recordar a rainha do fado, dando voz a um poema desta personalidade.
Deixo-vos ainda o poema "Povo que Lavas no Rio", aqui interpretado pela TUIST, Tuna do Instituto Superior Técnico, da Universidade Técnica de Lisboa.
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